Sabe, pai, hoje fui até sua casa, vi o violão que antes você tocava, todo empoeirado, pendurado na parede, foi inevitável, me deu muita saudade. Saí, fui até o bairro que nós morávamos, passei em frente a escola, parei nos lugares que antes eram a quitanda, a venda, o nosso campinho de bola, que hoje não existem mais. É interessante, mas de tudo, o que mais deu saudade, foi a nossa rua de terra, da casa toda amarela que o tempo não conseguiu apagar. Me lembro pai, quando criança, de repente eu me transformava no Batman, Homem-Aranha, Super-Homem e até no Homem Invisível e você não me encontrava, eu parecia acreditar.
Me lembro, pai, de um dia na praia, você parecia criança, dos buracos para fazer piscina, dos castelos de areia que a maré cheia insistia em derrubar, e com toda calma me dizia: “Vou fazer mais um em outro lugar”. E hoje dou risada, mas de pequeno acreditava que você acordava cedo só para salgar o mar. Mas de tudo o que mais me deu saudade foi da nossa rua de terra, da casa toda amarela que o tempo não conseguiu apagar.
Me lembro do corre-corre, do pega-pega, eu parecia tão rápido e você tão lento, que era difícil me pegar. No esconde-esconde eu era muito esperto, muito sabido, me escondia sempre no mesmo lugar, e você pai, não sei porque, nunca conseguia me encontrar.
Das histórias que me contava, acho que algumas até inventava, você era sábio demais.
Me lembro, pai, quando num sábado preguiçoso, fomos até um lago, andamos no pedalinho jogando pipoca aos patos. Você inventou uma pescaria, foi o primeiro peixe que peguei, fiquei um pouco assustado, depois dei grandes risadas, ele me deu muito trabalho pra da água eu tirar, fizemos uma grande festa, corremos para mamãe contar, eu me senti um herói e só hoje eu percebo, aquele peixe não enroscou no meu anzol, foi você que o fisgou.
Mas porque, porque será pai, que do que mais tenho saudade é da nossa rua de terra da cada toda amarela, que o tempo não conseguiu apagar.
“Sabe, filho, hoje você já é pai, sei que não tem muito tempo, mas sente um pouco aqui e ouça o que vou te dizer: Em primeiro lugar, ame muito sua esposa, mas lembre-se só amar não basta, tenha atitudes, respeite-a. Quanto aos filhos, tenha tempo, valorize as pequenas coisas, ao brincar se torne criança, role pela grama, empine pipas, faça castelos de areia e nem que a maré cheia insistir em derrubar, nunca recuse um abraço, nem que for para se lambuzar. Conte histórias que fale de príncipes e princesas, invente se preciso for, fale sempre de Deus e de sua grandeza, de Cristo e do que Ele fez por nós. Num sábado preguiçoso invente uma pescaria, fisgue um peixe, não importa se pequeno for. Passe para o filho o caniço, diga que foi ele que pegou, talvez ele se assuste ou de grandes risadas, mas vai ficar uma cena engraçada, para um dia se lembrar. Se for menina, não tenha vergonha, brinque com bonecas e casinha, ela com certeza vai ser a mamãe e você o filhinho, finja ser criança, faça coisas erradas e vai ver a bronca que vai levar. Veja como as coisas são simples, as vezes nós complicamos. Ser pai é ser criança e saber brincar, é oferecer o ombro amigo na hora de chorar, é estar presente em cada conquista por menor que possa parecer. É estar na primeira fila quando um diploma receber. Seja um pai sempre presente e não vai se arrepender.
Mas agora filho, faça uma coisa: pegue o violão, na gaveta tem a dedeira, deixe que eu tire a poeira, pois hoje quero relembrar, não sei se consigo, mas quero tentar tocar aquela música que de criança você tanto gostava! Que fala da nossa rua de terra, da casa toda amarela, que o tempo, que o tempo, para nós meu filho, nunca, nunca vai conseguir apagar”.
Airton 12/08/07