Cartas e recordações

Briga da família

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Ontem nossos filhos tiveram uma discussão. Esta carta é para eles, espero que tenha algum resultado em seus corações.

Fica muito difícil para mim falar alguma coisa neste momento, pois pode parecer que tomo partido de um ou de outro. Prefiro nestes momentos deixar os ânimos se acalmarem, pois no nervosismo todos nós falamos coisas que não deveríamos ter falado, e creio que todos se arrependem, nem que for de uma coisa mínima. A mãe e eu sofremos muito com isso, pois por utopia ou mesmo ingenuidade, tentamos e lutamos para deixar uma família unida, mesmo sabendo ser muito difícil (mas não impossível). E isso talvez seja o maior legado de um pai e uma mãe: que os filhos se amem, mesmo na diversidade de pensamentos, nas diferentes profissões, nas diferentes metas de vida, nos diferentes significados que cada um dá para a vida, respeitando o modo de viver.

Também tenho meus questionamentos, mas ao mesmo tempo me admiro e me encanto de como um gosta de cinema e vibra com uma câmera nas mãos. Penso que talvez assistiu muitos filmes comigo.

Outra gosta de pedalar e dançar. Penso que talvez por ser mais velha ouviu mais de mim que queria conhecer o mundo, que nunca soube dar um passo sequer nas danças, me contentando em ficar admirando quem tinha a coragem de fazer.

Outro por seguir meus passos, talvez por ter ouvido que gostaria que alguém assim o fizesse e se encantou com isso.

Outra se debruçou nos livros, varou madrugadas, morou só numa cidade que para aquele tempo era distante, talvez por ir a dentistas que lhe influenciaram na infância, ou mesmo por muito ouvir que nunca tive dentes muito bons e era motivo de piadas.

Não sei por que, e gosto que seja assim, cada um seguiu e segue seu caminho, e disso faço questão. Não quero direcionar a vida de ninguém, quando muito dar alguns conselhos do que a vida me ensinou e ainda me ensina. Se não seriamos todos robôs, de gestos repetitivos e irritantes, de ligar e desligar da tomada. Prefiro as idéias, embora não concorde com algumas. Prefiro os gestos surpreendentes, embora me assuste às vezes. Prefiro sorrisos e lágrimas, pois me fazem sentir vivo. Enfim, prefiro que vocês tenham um pedacinho da mãe e do pai nisto ou naquilo, mas que formem suas personalidades. Que seus filhos tenham um pouquinho do vovô e da vovó, mas com certeza terão muito de vocês, e isso, tenham a mais absoluta certeza, já estão assimilando.

Cada dia que passa morremos um dia. O dia de ontem já foi, morreu, não volta mais. O dia de hoje, amanhã não mais existirá. E isso nunca vamos impedir, é o tempo, e deste não temos controle, que é para ninguém se vangloriar. Sempre penso: “Queria ter um pouquinho de cada um de vocês, e talvez eu formasse uma pessoa perfeita“. Mas será que seria bom? Perfeito… não… não quero. Não quero ser perfeito. Aliás, nem gosto que me chamem disto, pois quero ter minhas neuras, teimosias, rir e falar alto, não me interessar por lojas e se a cor da camisa combina com a calça. Quero ser “eu”, como quero que vocês sejam vocês, e que se respeitem e sejam respeitados nas diferenças, pois “cada um carrega a sua história, e tem o dom de ser capaz e ser feliz“.

A mãe e eu já moramos num escritório desativado, num fundo de quintal alugado, com uma jabuticabeira sempre florida no vizinho. Moramos em casa grande com piscina. Tomamos banho em regador feito chuveiro, e nestes modernos, solares. Mas sempre fomos nós. E assim como começamos nossa vida, só eu e ela, vamos também terminar. E de todo coração, de todo coração mesmo (e só vão entender isso mais tarde, com os filhos já adultos), espero, seria a minha maior alegria e tenho certeza que da mãe também, que ao passar por todos vocês pudéssemos simplesmente ouvir: “Esta é minha avó, este é meu avô! Esta é minha mãe, este é o meu pai!

Amamos muito vocês! E isso… isso basta.

03/01/2016

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