Cartas e recordações

Carta para o Rodrigo Lombardi

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Oi Rodrigo, tudo bem com você?

Em primeiro lugar quero te agradecer por ter aceito ler a minha carta. Para mim foi um presente de Deus.

Talvez você estranhe eu estar escrevendo e não “digitando”, mas todas minhas cartas mais importantes foram escritas à mão e esta para mim é igual a todas as outras: muito importante.

Digo sempre para os filhos que tem pessoas que passam pela nossa vida só de passagem e outras nos marcam a não mais esquecermos, e você me marcou muito.

Talvez você não entenda muito bem, mas é inevitável associarmos o homem ao artista, pois o artista está todas os dias na nossa casa, e do homem conhecemos muito pouco.

Foi muito engraçado enquanto aguardávamos você chegar, eu na altura dos meus sessenta e quatro anos, dizia não me surpreender com nada, se fosse uma pessoa amável e simples ou um profissional somente a executar mais um trabalho, se me desse a mão meio mole a dizer “Vamos logo, tenho pressa”, ou com o olhar me dissesse “Que bom que você veio”.

Mas quero te confessar uma coisa: você me surpreendeu, pois alí não conheci nem o artista nem o homem, conheci simplesmente um pai.

Pai que como eu, procura o melhor para o filho nem sempre sendo o melhor. Procura ensinar a ser calmo, nem sempre tendo calma. Procura ensinar generosidade, nem sempre sendo generoso. Procura ensinar a acompanhar os passos de um idoso, às vezes correndo. Enfim, procurando ensinar a ter tempo nesta correria que é a vida.

Um dia nos pegamos correndo atrás de uma bola em uma rua de terra com traves de bambús, como se fosse o Maracanã, ou subindo numa jabuticabeira, sem medo de cair, a procurar no lugar mais alto pela fruta mais doce, como se fosse a maior aventura, nos pegamos correndo descalços, contra o vento, como se fossemos o mais livre dos mortais. Mas o tempo passa, de meninos nos tornamos homens, e de homens nos tornamos pais, somos responsáveis, saímos do banco de trás e passamos a dirigir a própria vida.

As traves de bambús já não existem mais, a rua é perigosa e a grama, veja que moderno, já é sintética. A jabuticabeira deu lugar a um bonito prédio todo envidraçado, e para subir só de elevador. Andar descalço nem pensar, pois os tênis de hoje são aconchegantes e tem até amortecedores, para não sentir nem o pisar. Ah, e a lua que antes era só dos namorados hoje não é mais.

Aí ficamos confusos, neste mundo em que tudo é digital, o relógio nem ponteiro tem mais, e o pior, corre, não sabe esperar, e fica em nós só uma pergunta: será que estou fazendo o certo?

E me vem na mente um único pensamento: Acertando ou não, o que vale são nossas atitudes e o amor que nos move. E nosso maior e único pagamento é um dia, quando nossos passos já estiverem lentos, os cabelos brancos, a idade chegar, num abraço bem gostoso de um filho, simplesmente ouvirmos:

“Você foi um bom pai!”

23/01/2016

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