Esta carta escrevi no dia das mães em 1998.
Sabe mãe, hoje estive em sua casa, não tinha ninguém, sentei a esperá-la, e não sei por que meus olhos foram atraídos por uma foto meio antiga, ainda em branco e preto. Você era jovem, muito linda, era solteira, pose de artista. Aí me perguntei: com que você sonha?
Sem querer voltei no tempo, a cidade era pequena, ruas de terra, te vi namorando, roupas simples feitas por você mesma. Aí me perguntei: Com que você sonha?
Te vi casando, poucas pessoas na Igreja, cerimônia simples, mas consegui ver seus olhos, eles estavam brilhando. Aí me perguntei: Com que você sonha?
Depois, ah! A tão esperada viagem de lua de mel, malas prontas, roteiro feito, você iria a pé por entre trilhas, barro e mato, da casa da sua mãe até onde iria morar, tudo muito difícil, mas consegui ver seus olhos, eles estavam brilhando. Aí me perguntei: com que você sonha?
Primeiro almoço, a comida era pouca, a mesa feita de caixas vazias, nem cadeira tinha, tudo muito difícil, mas consegui ver seus olhos, eles estavam brilhando. Aí me perguntei: Com que você sonha?
Te vi tendo filhos, ainda não tinha hospital na cidade, Dona Laura parteira te ajudou e todos nascemos em casa, as dores eram muitas, mas você não reclamava, consegui ver seus olhos, eles estavam brilhando. Aí me perguntei: Com que você sonha?
Três filhos ainda criança, trabalho na pequena fábrica, roupas para lavar, comida por fazer, brigas para apartar, e ao findar o dia já cansada, consegui ver seus olhos, eles estavam brilhando. Aí me perguntei: Com que você sonha?
Filhos adolescentes, descobrindo o mundo, você se faz de escudo, apara arestas, ora, espera, não dorme até que o ultimo regresse. Consegui ver seus olhos eles estavam brilhando. Aí me perguntei: Com que você sonha?
Filhos casados, cada um pra seu lado, já não nos vê tanto, mas você espera não reclama. Aí me perguntei: Com que você sonha?
De repente ouço um barulho, a porta se abre, meus olhos se distanciam da foto, olho para traz você vêm, passos lentos, muitas marcas do tempo. Está linda, ainda tem pose de artista, consegui ver seus olhos, eles estavam brilhando.
Aí, antes que eu dissesse qualquer coisa, parecendo adivinhar meu pensamento, coloca a mão suavemente em minha boca e diz:
Meu filho, eu sonhei com você!
Airton – 10/05/1998