Esta carta escrevi no Natal de 1998 e o Reverendo Joás leu na Igreja.
Fim de ano, o corre-corre costumeiro, lojas repletas, listas de presentes… Mas tem alguma coisa diferente.
Luzes iluminam a cidade e clareiam as fachadas, a ceia está marcada, a mesa está pronta, virão amigos e parentes… Mas tem alguma coisa diferente.
Já cansado, sento, fecho os olhos e adormeço.
Me vejo caminhando por entre pedras, chego a uma pequena cidade, vou até o templo, vejo um menino ensinando a mestres, falando maravilhas, ele era diferente, resolvi segui-lo.
O vi adulto, foi tentado e resistiu, curou enfermos, ressuscitou mortos, contou historias que falavam do amor e da salvação, ele era diferente, continuei a segui-lo.
Falava para perdoar setenta vezes sete, amar os inimigos, se nos baterem para darmos a outra face, falava de uma vida eterna, de muitas moradas, ele era diferente, continuei a segui-lo.
Vi algumas pessoas tramando contra ele, planejando sua morte, foi preso, açoitado, coroado com espinhos, ele era diferente, não reclamava, continuei a segui-lo.
Por entre ruas carregou a cruz, que seria seu martírio, chicotes cortavam seu corpo, os pés estavam em sangue, as costas todas feridas, as forças já se esgotando, mas mesmo assim falava de amor, de perdão, ele era diferente. Os guardas procuravam seus amigos, resolvi não mais segui-lo, estava com medo.
Vi ao longe a cruz se erguer, o corpo já debilitado, lanças o transpassam, cabeça caída. E quando pensei que já estivesse morto, ergue a cabeça, abre os olhos, me procura na multidão, sinto seu olhar, é penetrante, num ultimo esforço com voz fraca e trêmula me chama pelo nome e sorrindo diz a mais linda frase que já ouvi: “Eu te amo! Me siga até o fim”.
Quantas vezes ainda hoje por medo ou covardia te nego ou deixo de seguir-te ajudando a crucificá-lo na cruz de teu martírio.
Tudo isso faço quando nego comida ao faminto, apedrejo as adulteras, quando em roda de amigos deixo de falar de ti e de tua salvação.
Ajudo a te crucificar quando minha vida não serve de exemplo para ninguém, quando não tenho tempo para minha esposa e filhos, corro mais que os idosos e não me abaixo para ouvir as crianças.
Te ajudo a crucificar, oh, Cristo, menino Deus, quando apoio guerras para buscar a paz, quando num ato covarde fecho o vidro de meu carro julgando que todas as crianças são pequenos marginais. Te nego quando por omissão, comodismo ou medo, lavo as mãos como Pilatos.
Os sinos tocam, acordo, já é Natal, vou comemorar teu nascimento… Não… Hoje quero que seja diferente: Faz do meu coração a tua manjedoura, que teu nascer seja dentro de mim. Muda minha vida, transforma meu ser, que eu seja sal, luz, perfume agradável, bom pai, esposo, filho, irmão. Mas que acima de tudo, Cristo, menino Deus…
… Faça em mim a tua obra!
Amém.
Airton – 24/12/1998